O fim de uma era
Por Rafael Ligeiro
Bem que poderia ser a série de disputas emocionantes desde os treinos ou até mesmo as alterações no regulamento da categoria. Poderia ser o pulo do gato da equipe Medley na estratégia de reabastecimento, que rendeu a vitória para Marcos Gomes. Contudo, nada chamou mais a atenção durante a etapa de abertura da temporada 2008 da Stock Car, realizada em Interlagos, que o anúncio da aposentadoria de Ingo Hoffmann ao final desse ano. Decisão que coloca ponto final não apenas em uma carreira, mas sim em uma era do automobilismo brasileiro.
Aos 55 anos, Ingo é sinônimo de Stock Car. Jamais um piloto acumulou marcas tão impressionantes quanto o Alemão nos 30 anos do certame. São 61 pole positions, 79 vitórias e 12 títulos conquistados.
Confesso, aqui em frente esse velho e cansado computador, ter um bocado de admiração por Ingo Hoffmann. Por dois motivos. Primeiro: ele é um dos poucos que mostraram que não é necessário vencer corridas e temporadas na Fórmula 1 para ter uma carreira brilhante no automobilismo. Nem mesmo acumular provas na Indy ou em outros certames internacionais. Trata-se de um exemplo à garotada que ainda dá as primeiras aceleradas no kart e pensa apenas em Fórmula 1.
Chegar ao campeonato da FIA é o ápice na carreira de qualquer piloto; mas o caminho para alcançá-lo também é o mais longo e árduo que há no esporte a motor. Talento não basta. São apenas 22 carros para centenas de pretendentes em disputas por cockpit nem sempre justas. Afinal, por mais que a F-1 não tenha um "pay driver" sequer no grid de 2008, basta apertar a situação num time pequeno para um pé-de-breque surgir com alguns milhões de dólares oriundos de petrolífera de Não-sei-la-de-onde e arrematar um posto de titular.
Segundo motivo: mesmo após tantas conquistas, Ingo jamais deixou a naturalidade de lado. Não é daquele tipo que sorri facilmente, tampouco que dê piscadelas às câmeras de televisão após uma entrevista. É um sujeito sério, simples e desprovido de qualquer estrelismo, características que carrega desde o início de carreira. Não possui aquele envolto subjetivo que parece distanciar grandes ícones de seus fãs, numa química que fazem com que os ídolos, tão longes, pareçam sujeitos perfeitos, quase semideuses. O próprio Alemão já disse que houve até quem tenha tentado fazer com que ele investisse mais na imagem pessoal. Mas, felizmente, Ingo jamais aceitou isso. Tivesse cedido ao "conselho", sem dúvidas, teria mais espaço na mídia, faria mais comerciais, venderia mais bonés, miniaturas... Estaria até mais rico! No entanto ficaria sujeito a passar pela catastrófica metarmofose pessoal que inúmeros profissionais ao volante são submetidos na busca para agradar a gregos e troianos. Afinal os veículos de comunicação - assim como patrocinadores e a grande maioria dos fãs - adoram um sujeito que faça cara de anjinho e tenha em mente sempre discursos sempre animadores e patrióticos.
Ainda mais impressionante é o fato de Ingo ser dono de uma característica quase indispensável aos grandes campeões. Frio e experiente, ele é capaz de fazer uma leitura precisa de uma corrida e um campeonato. Conhece como poucos a hora certa para partir à pista com o regulamento em mente - até mesmo quando a situação não parece propícia a tal atitude. Lembro-me bem da temporada 2002 da Stock, quando tudo parecia indicar ao tetracampeonato de Chico Serra. "Salvo uma mudança absolutamente imprevisível, tenho tudo para ser campeão da temporada", bradou Hoffmann, 4 corridas antes do término da temporada, à Revista Racing (edição 102). Ele era vice-líder, 16 pontos atrás do adversário. "Já tenho minha estratégia traçada: vou correr de olho nele (Serra). Se nessas 4 provas restantes eu chegar uma mísera posição adiante, tá liquidada a fatura". Dito e feito. Nas 3 corridas seguintes, Ingo tomou a liderança do campeonato com uma vitória (Curitiba) e um 2º lugar (Londrina). Na etapa de encerramento da temporada, em Interlagos, mesmo com a vitória de Chico, bastou um 6º lugar para o Alemão garantir o 12º caneco na categoria.
De fato ninguém é insubstituível. Fangio, Clark, Stewart, Fittipaldi, Lauda, Piquet, Prost, Senna e Schumacher passaram pela Fórmula 1, contudo a categoria continua. Na Stock não será diferente. Mas é inquestionável que o piloto que assumir o carro número 17 na próxima temporada vai correr com muito lastro. O lastro de cada conquista de um "tal" de Ingo Hoffmann.
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