Lamentos
de um "Zequinha"
Fui visitar
minha irmã caçula, que convenhamos não é mais tão caçula assim.
Não contem pra ela, mas já está chegando perto dos 40. Ela e o
"Serjão", literalmente "Jão", seu marido, faz tempo andam metidos
com esse negócio de jeepeiros, um tal off-road. Para vocês, menos
cultos e monoglotas, significa fora de estrada. São aqueles caras
que andam cheirando poeira, saboreando lama e, principalmente,
apurrinhando bodes, cabritos, pacas e tatus, além de volta e meia,
aliás, volta inteira, torrar a paciência dos pacatos sitiantes
com o ronco dos seus motores. É certo que vez ou outra encontram
incautos admiradores. Alguns desavisados até aplaudem, talvez
pensando tratar-se de seres estranhos, já que todos usam algo
nas cabeças, lembrando a abóbora. Pois bem, caí na asneira de
aceitar o convite pra ser Zéquinha. Meu nome esta longe
de ter variante José, portanto, não entendi quando fui apresentado
àqueles seres de tribo própria. Diziam: "Esse aqui é o meu
Zéquinha, veio de Salvador". "Aquele é o Zéquinha, irmão
da Neide". Não gosto que mudem meu nome, mas como eram todos
avantajados, de barriga, principalmente, achei prudente não discutir.
Convite
aceito, lá fui eu de Zéquinha. No banco traseiro, paramentado
de "cabeça de abóbora", com minha cara de abestalhado, curtir
o inusitado programa. Quis fugir, não minto, logo após começar.
Era tarde. Não sabia onde estava, aliás, ... nem eles. Curva,
subida, descida, toco, lama, galho, mato e mais mato, trilha,
roça de milho, poeira, mais e mais curvas, o fim da picada! Mesmo!
Nessa ordem ou nem tanto. Não sei onde estou, onde vou. Meu Deus
onde foi que me meteram! Socorro!!!
Minha
irmã, dizia ela, era navegadora. Carregava um livrinho, feito
caderneta de anotar fiado em empório. Repetia frases, do tipo:
"Direita, sobe, à esquerda no toco, corre, pau".
Fazia contas, olhava relógio. Eu fazia minha conta mental, ansioso
pelo fim, ou ao menos uma parada para uma cervejinha, um xixi.
A bem da verdade, eu já estava era além do xixi. O medo quase
me traz vexames de odores nítidos.
Pararam.
Beleza! Que nada. Uma paradinha à toa. Mudança de trajeto, de
rumo, uma coisa assim. Quem se importa? Continuam correndo, espantando
mais bode, aborrecendo mais gente, divertindo uns poucos.
Perdi
a noção do tempo e espaço, minha bússola passou a ser a contagem
das folhas do bendito caderninho. Nas minhas contas ainda faltam
umas dez páginas para serem folheadas e cantadas num frenetismo
sem fim. O sol há muito tempo deu até logo.
Também
não posso dizer que tudo foi ruim. Nas poucas paradinhas, tinha
um colega Zéquinha de carteirinha. Ele era diferente. Era
Zéquinha como eu, porém, se referiam a ele como "Anjinho".
Anjinho pra lá, Anjinho pra cá. O cara realmente tinha cara de
anjo. Aquele do Gibi. Cara boa, jeito de sangue bom. Me ofereceu
água, mostrou-se solidário, protetor. Anjo, ora bolas! O nome
do cara não era simples e coincidente alusão ao gibi. Os demais
também eram cordiais. Farinha do mesmo saco, galho do mesmo tronco,
água da mesma bica. Soube depois, anjinho, era para seus tribais.
Na segunda feira, atendia por Dr. Valmir, que fazia parte da equipe
daquele outro Dr. Maluco, que ousou cortar um teco do coração
daqueles pacientes que tinham coração sobrando no peito, sem espaço
para bater. Um desses doces loucos que hoje sai mundo afora mostrando
suas loucuras, deixando corações cortados literalmente, batendo
felizes.
Cheguei
salvo. Não posso dizer que, sã. Braços, pernas e tudo mais que
me pertence doía. Nunca fiquei sabendo quem ganhou, quem perdeu.
Nem sei se eles também estavam dando importância a isso. De onde
parti, cheguei. O cenário de lugar de vender carro recebeu alteração:
fumaça, cheiro de carne, linguiça e muito chopp. Até que enfim.
Pra alguma coisa, aquilo teria serventia.
Tempos
depois, talvez por ironia, recebo via Sedex um troféu. "Campeonato
Metropolitano de Fórmula 4x4 - VIII Raid de Inverno - 17 de junho
2000". Vinha assinado pelo Jeep Clube de Curitiba e dizendo eles
que era troféu de participação e um convite, volte. Mentalmente
respondo: chamem a mãe!
Tonaré
Safira
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