Crônicas-

Fotografando o Transparaná

Raul Friedmann
Raul Friedmann é engenheiro, professor e autor do livro Fundamentos de Orientação, Cartografia e Navegação Terrestre. Além disso, é um talentoso fotógrafo.

Um dos mais cínicos e divertidos comentários que já ouvi sobre fotografia, posto numa tradução livre, dizia mais ou menos o seguinte: o fotógrafo esportivo é o sujeito que registra o momento seguinte após o lance sensacional. Talvez fosse um comentário muito antigo e reciclado, dos tempos em que não existia o replay - recurso que alguns leitores mais jovens acreditam ter sido inventado antes que os dinossauros fossem extintos, pois afinal de contas alguns deles aparecem na TV mais que a Hebe Camargo.

Bem, o fotógrafo esportivo típico é um sujeito permanentemente estressado, perseguido por uma compulsão em apertar as miríades de botões destas cada vez mais complexas bugigangas eletrônicas de últimíssima geração - a última foi inventada semana passada e já deve ser coisa do passado. De plantão permanente e obcecado em registrar todos estes momentos sensacionais, poucas vezes ele se dá uma folga e passa a fotografar pelo puro e simples prazer de fotografar.

Livre da obrigação de registrar meramente momentos como partida, chegada e pódio, pude despender tempo em olhar os jipes e as paisagens, o olhar dos curiosos, o contraste de potentes jipes importados com carroças à beira das poeirentas estradas rurais que fazem a alegria e a diversão de um raid de uma semana de duração. E que semana!

Ao olhar com calma pude me permitir luxos como fotografar o último dos competidores, que ao enfiar sua Land Rover no lamaçal ao invés de seguir por um caminho mais razoável fez a alegria deste fotógrafo e de muito outros que o acompanhavam. Bem, o Dr. João não vai morrer de stress, pois nem mesmo se preocupou como tempo ao parar para dar entrevista e em conceder um inusitado "replay ao vivo e a cores". Não fosse pouco, minutos depois lá vem o fecha-trilha, singular personagem que tem por função ser o último após o último, acumulando não raro as funções de guincho, mecânico e fechador de porteiras esquecidas. E por não querer ficar atrás do Dr. João, o "Borracha" nos brindou com um dos mais fotogênicos encalhes de toda a prova, recebendo inclusive o privilégio de ser entrevistado no interior do jipe e do lamaçal por uma bela repórter e um cinegrafista que não conseguiam esconder seu esforço em permanecer minimamente apresentáveis e limpos sob condições tão inusitadas.

Outro prazer é registrar as imagens da fauna local - mais precisamente, de exemplares do homo sapiens, embora muitos deles não pareçam homo naquele visual mais cheio de marcas que classificados de jornal e anúncios de pneus em lista telefônica. Quanto a parecer sapiens e mais prudente deixar os comentários de lado e ir para o próximo assunto.

Uma forma prazerosa e muito interessante de participar de um raid é interpretar o papel do Zequinha, o eterno acompanhante do piloto e do navegador no desenho Speed Racer. Para o observador externo, trata-se de um papel tão relevante quanto o de vaca de presépio ou de boi no pasto, mas no interior do veículo sua função ganha importância: contrapeso dinâmico e fazedor de fotossíntese. Mas vale pelo visual e pela adrenalina.

Morro acima, morro abaixo, mata adentro, campo afora... Atravessar o Estado do Paraná por caminhos inusitados e inimagináveis para motoristas mais urbanos e estradeiros é o espírito e o prazer desta prova cujo prazer proporcionado a todos que, de alguma forma, dela participam, poderia ser assim descrito: Off-road de Leste a Oeste, Emoções de Norte a Sul.

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