Papo com Alessandro Zanardi
Rafael Ligeiro |
Aos 42 anos, Zanardi é um exemplo de superação. . |
À primeira vista, poderia afirmar que parece só mais um desses sujeitos de meia idade enfiados num macacão de piloto. Mas basta ver o número de fãs que cercam Alessandro Zanardi no paddock das provas do Mundial de Carros Turismo, o WTCC FIA - seja em busca de um autógrafo ou de um simples aperto de mão, para ver que se trata de alguém com história para contar. E muita.
Aos 42 anos, Zanardi é um exemplo de superação. Bicampeão de Champ Car e ex-piloto das equipes Jordan, Minardi, Lotus e Williams de Fórmula 1, o italiano teve as pernas amputadas em acidente no oval de Lausitzring, em 2001. Mesmo assim, a paixão pelas pistas falou alto. Logo que se adaptou às próteses ortopédicas, Alessandro não teve dúvidas: voltou às pistas. Atualmente, pilota um BMW 320si com controles manuais, no WTCC. É piloto oficial da BMW, uma das três marcas envolvidas no certame da FIA.
Esbanjado carisma e atenção - característica ressaltada por dez em dez jornalistas que já conviveram com o piloto de Bologna, Zanardi falou sobre os mais diversos temas; desde diferenças na pilotagem dos mais distintos carros de competição até os desafios na vida de um deficiente físico.
Ligeiro: apesar de participar de corridas de diversas categorias entre 1991 e 2008, sua carreira nesse período está mais associada à Fórmula 1, Champ Car e ao Mundial de Turismo (WTCC). Quais são as diferenças e semelhanças que você encontrou nesses três campeonatos?
Zanardi: essas categorias estão diferenciadas principalmente pela relação entre potência, aderência dos pneus e downforce. Os carros de turismo possuem menos potência que os de Fórmula, bom grip e nada de downforce. Portanto, o estilo de pilotagem é sempre o mesmo. Tanto faz se você está à frente ou atrás do carro de outro competidor. Dado que tem menos potência (que um Fórmula-1, por exemplo), você pode retardar ao máximo a freada. Mas a diferença entre a velocidade máxima (na reta) e a de curva num carro de turismo não é tão acentuada como quando você tem atrás de você um motor com mais de 1000 cavalos de potência. O fato de frear mais tarde pode ser que não seja tão relevante como ter uma condução sem sobressaltos, porque tem de manter a velocidade na curva para retomar as retas com a maior velocidade possível. Devido à falta de potência, o que se ganha nesse trecho acaba indo embora na reta seguinte. Se sair da curva 2 km/h mais rápido, geralmente mantém, durante toda a reta, a diferença ganha. É por isso que tem de pilotar de modo agressivo. Trata-se ainda de manter o controle do carro durante todo tempo. É crucial manter a velocidade durante cada curva para, depois, acelerar forte.
Ligeiro: em 2006 você pilotou um BMW Sauber adaptado, com controles manuais. Você acredita que os times de Fórmula 1 estão preparados e dispostos a conceder um carro para um piloto com deficiência física ao longo de uma temporada?
Zanardi: pessoalmente, penso que isso nunca acontecerá. Mas nunca pensei que Kimi Räikkönen poderia ganhar a temporada 2007 de Fórmula 1. E ganhou. Para mim, minha desvantagem era uma vantagem. Sem ela, eu não poderia ter a oportunidade de conduzir outra vez um carro de Fórmula 1. Era algo excepcional, não apenas para mim, mas para a BMW e o mundo inteiro. Isso não quer dizer que eu era completamente rápido nesses testes. Foi apenas uma única situação.
Ligeiro: aliás, você já viajou quase o mundo inteiro. Qual é a sua avaliação sobre a estrutura oferecida a deficientes físicos pelo mundo? Quais localidades são bons ou maus exemplos sobre isso?
Zanardi: eu não estive nos países escandinavos recentemente, mas há 20 anos passei muito tempo na Suécia. Na época, as instalações públicas eram completamente bem equipadas para facilitar a vida dos deficientes físicos. Você nunca tem problema para encontrar um carro com controles manuais nos Estados Unidos. Esses carros já estiveram disponíveis em Roma - mas agora não mais. Isso dá uma idéia de quão grande são as diferenças entre as localidades.
Ligeiro: assim como outros pilotos, você encontrou dificuldades para convencer sua família quanto ao seu ingresso no kart. Conheço casos diferentes do seu no Brasil, mais precisamente de garotos que apenas iniciam no kart para agradar ao ego dos pais. O que você pensa sobre essa situação?
Zanardi: penso que não estamos falando apenas sobre kart. É a maneira como o mundo está indo. Tudo está mudando. Na busca pela total liberdade nos transformamos em escravos exatamente dessa liberdade. Isso se nota na educação. Se eu fiz nove de dez coisas corretas quando eu era criança, e fiz somente uma errada, meu pai me repreendia pela que eu fiz errada. Hoje os garotos fazem nove de dez coisas erradas e esperam recompensa pela única correta. Isso é errado, mas é a realidade. Eu penso que muita gente oferece demais aos seus filhos, fazendo somente com que as crianças não saibam o que elas realmente querem. Muitos pais confundem suas crianças. Mas ainda há alguns garotos que possuem a dedicação necessária. Se isso é combinado com talento natural, terão sucesso. Eu conheço alguns desses garotos.
Ligeiro: você é grande amigo de um brasileiro campeão das pistas. Não revelarei o nome dele, mas ele é narigudo e vocês se chamavam de "Pinto" nos tempos de Champ Car. Sabe quem é ele? Como vocês começaram a trocar esse apelido que no Brasil seria, digamos, exótico?
Zanardi: antes de tudo, "pinto" é obviamente uma má palavra em português. Esse era um apelido que nós (Zanardi e o "piloto misterioso") usávamos para chamar um ao outro até quando o indivíduo que você se refere estava indo à coletiva de imprensa após o treino para uma etapa da Champ Car no Rio de Janeiro, quando ele marcou o 3º melhor tempo. Eu já estava na sala, quando ele me viu e gritou à distância, euforicamente: "Pintoooo!". Eu perguntei a ele: "Onde você pensa que nós estamos?" Desde então decidi que só iria chamá-lo de Pinto. Claro que estou falando de Tony Kanaan.
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