Uma
história de paixão
Texto:
Renato Bellote Gomes
Fotos: José Gilberto Alves Braga Jr.
A
cidade de Santa Fé do Sul, distante cerca de 625 km de São Paulo,
tem uma história recente. Ela foi oficialmente fundada em 1948
e, desde então, vem crescendo de forma tímida, preservando a qualidade
de vida de seus moradores.
Atualmente,
o turismo tem se tornado uma fonte de renda e vem atraindo visitantes
de todas as partes, que não resistem às belezas naturais do Parque
das Águas Claras ou da "Mata dos Macacos", habitada pelo simpático
- e astuto - macaco-prego. Além disso, o tradicional carro de
boi e uma locomotiva em miniatura enfeitam o "Museu a céu aberto".
Os
antigomobilistas da região também marcam presença, com a realização
do evento "De volta ao passado". O encontro ocorre há
quatro anos e reúne muita gente, inclusive do estado do Mato Grosso
do Sul. Para se ter uma idéia da qualidade da festa, até um cover
do rei do rock dá o ar da graça por lá.
Um
dos colecionadores da cidade é o juiz de Direito José Gilberto
Alves Braga Júnior, que possui três exemplares Chevrolet simplesmente
impecáveis. Dois deles, o Opala Comodoro e a picape C-10, ostentam,
com todo mérito, a placa preta.
O
terceiro clássico - e objeto desta reportagem - é um pequeno esportivo
da década de 70. O Chevette GP II causava sensação em sua época.
Posso garantir que esse exemplar amarelo-lotus continua fazendo
o coração bater mais forte.
Antes
de tudo, vou descrever a impressão que ele causa. Pintura lisa,
rodas com sobre-aros cromados e uma larga faixa preta percorrendo
a carroceria de fora a fora transportam o observador diretamente
para o ano de 1977. Os faróis auxiliares dão um leve toque de
agressividade ao modelo. Dá até pra sentir o cheirinho de carro
novo.
A
história desse esportivo é bem curiosa e teve início no ano de
2003. José Gilberto estava restaurando um Opala quando ficou sabendo
do - raro - exemplar circulando pela cidade. Mais do que depressa,
foi dar uma olhada no veículo e conferir se era mesmo um autêntico
GP. "O carro estava um pouco judiado, devido ao transporte
de lenhadores e ferramentas para a zona rural", conta.
Uma rápida espiada nos documentos e no interior era o que faltava
para comprovar. O estado era razoável. "Foi amor à primeira
vista", confessa. O negócio foi fechado. Nessa altura,
o antigo dono já pedia o dobro do preço. Mas, afinal, quanto vale
uma paixão?
O
interesse pelo modelo começou há muitos anos. "O Chevette
fazia parte da minha vida. Foi um deles que passei a dirigir depois
de tirar a carteira de habilitação", relembra. E o esportivo
também traz boas recordações desse período. "Tenho ainda
na lembrança um Chevette GP II 77 que um primo comprou zero-quilômetro
para sua esposa e que, para mim, era o máximo", finaliza.
A
partir daí, veio a fase mais trabalhosa. O projeto de restauração
previa uma verdadeira reconstrução. A palavra de ordem foi originalidade,
das peças do motor à forração dos bancos. Até mesmo a cor daquele
ano - amarelo lotus - foi obtida. Braga é o terceiro dono, mas
gostaria de congelar o tempo e se sentir como o primeiro que cruzou
o showroom da concessionária, na vizinha São José do Rio Preto.
Para
começar a brincadeira, o modelo foi desmontado. As peças de reposição
valem uma história à parte. Como queria um carro novo em folha,
José Gilberto fez várias viagens ao Mato Grosso do Sul. "Comprei
muitas peças num ferro-velho de lá que, por sua vez, havia adquirido
o estoque de uma concessionária Chevrolet que encerrara as atividades",
relembra. Para complicar um pouco, algumas delas haviam sido retiradas
das embalagens, o que gerou a necessidade de um trabalho de pesquisa
nos folhetos da fábrica.
Após
quase um ano de trabalho duro, o clássico ficou pronto. "A
restauração foi totalmente feita na minha cidade", ressalta.
Oficina do Dalat, Oficina do Roni, Auto Elétrica Ohira, Tapeçaria
Datorre e Brito Centro Automotivo foram os responsáveis pela obra
de arte. "O interessante nesse aspecto é que todos os profissionais
envolvidos gostam de carros antigos e ficaram atentos a detalhes
de originalidade", enfatiza o proprietário.
O
modelo ainda despertou outras histórias. A artista plástica Telma
Ramos viu uma matéria sobre o carro e produziu uma tela em sua
homenagem. "Ela ficou sensibilizada com a reportagem e fez
essa tela, que guardo com muito orgulho e carinho", diz. "O
trabalho dela é único e exclusivo. Os detalhes e a qualidade são
reconhecidos por todos que vêem o quadro", complementa.
O
segundo elogio ao GP veio do próprio vice-presidente da GM, José
Carlos Pinheiro Neto, através de um telefonema. "Isso é um
orgulho muito grande para mim, pois é o reconhecimento pelo trabalho
realizado, pela paixão à marca e pela preservação de um carro
que fez parte da vida do brasileiro", conta.
O
Chevette também é famoso no exterior. "Esse carro foi matéria
de uma revista editada pelo Clube do Kadett da Holanda, além de
algumas publicações brasileiras", revela com orgulho. O capricho
do proprietário pode ser visto até em uma miniatura do modelo,
feita por ele mesmo, tendo como base um Opel Kadett na escala
1:43. Para isso, utilizou a mesma tinta da carroceria.
O
título desta matéria já diz tudo. No mundo dos carros antigos,
a paixão parece ser o melhor combustível, que faz com que as noites
passadas em claro valham a pena. O resultado de todo esse esforço
pode se manifestar através de um sorriso, uma foto, ou, simplesmente,
uma lembrança, lá do fundo, que vem à tona quando o clássico passa
pela rua.
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