Paixão em 2 tempos
Texto e fotos: Renato Bellote Gomes
Imagine que você está andando pela rua. De repente começa a ouvir um barulho bem característico, um pouco rouco, que vem crescendo ao chegar à esquina. Quando o carro passa você repara que ele vem acompanhado de uma fumaça levemente azulada e a carroceria com linhas clássicas e bem definidas prende sua atenção. Você acabou de ver um DKW, abreviação de Das Kleine Wunder. Em bom português: "a pequena maravilha". E o carrinho foi ganhando uma legião de fãs, com mais de 50 mil unidades fabricadas no Brasil. Um desses apaixonados é o jornalista Flavio Gomes, que conserva este belíssimo Belcar 1962 - além de outros 6 exemplares da marca - cheio de histórias. Vamos a elas.
Primeiramente vou falar do clássico. A cor verde com capota branca forma uma combinação de encher os olhos. O veículo foi comprado há 19 anos, mas o interesse começou bem antes. "A paixão por DKW era antiga e desde os 10 anos de idade, quando ganhei uma miniatura da Atma, sonhava em ter um", revela Flavio.
O garoto cresceu e acabou seguindo seu caminho até se encontrar com o objeto de sonho. "Quando saí da Folha de São Paulo fui trabalhar na revista Placar e um fotógrafo, Sérgio Berezovsky (hoje diretor da Quatro Rodas) tinha 2 DKWs, um 1958 e esse que acabei comprando", diz. "Usei todo o dinheiro da minha indenização por sair do jornal para comprar o carro", revela com bom humor.
Uma das coisas mais impressionantes é o fato de o modelo nunca ter sido restaurado. "Levou um banho de tinta muito antes de eu comprá-lo, mas está em estado de absoluta originalidade", conta. E não para por aí. "É muito original, desde a tapeçaria até a mecânica", complementa o proprietário. "Tem manual e chave reserva, os pneus são os diagonais Campeão Supremo da Firestone e também está com a voltagem de 6 Volts", finaliza.
Agora vem a parte mais curiosa do artigo: o modelo tem tantas histórias que seria possível escrever um livro contando algumas delas. A primeira se refere à paixão do jornalista pelo automobilismo. "Esse carro correu na pista antiga de Interlagos em 1988 e 1989 em eventos de regularidade e velocidade. Tirava os pára-choques, colocava o cano de escapamento de lado e ia para a pista", revela com brilho nos olhos. "Loucura total", complementa.
Outras duas passagens interessantes ocorreram em casamentos. "Foi nele que minha esposa foi para a igreja", conta. "Num outro, de um amigo, quebrou o cabo do acelerador a poucas quadras da igreja e o povo na rua foi empurrando o bichinho até lá", revela. Mas as estripulias do carro não acabam por aí.
Alguns veículos, de modo especial, acabam fazendo parte de nossas vidas e criam lembranças inesquecíveis. Esse fato ficou bem ilustrado com o caso que ocorreu em uma madrugada fria em São Paulo. "Estava abastecendo num posto da 23 de Maio quando parou um Santana daqueles caríssimos (para a época, 1988), desceu um motorista de quepe e tudo e me perguntou se eu vendia", conta. "Eu disse que não. Ele insistiu, dizendo que sua patroa, que estava dentro do carro, queria comprá-lo. Novamente disse que não", recorda. O valor era bem alto naquela época, o que fez com que o proprietário questionasse o motivo de tanta insistência. "Ela me confessou que era viúva, e que quando se casou, nos idos de 1962, muito novinha, sua lua-de-mel fora num DKW idêntico àquele, uma viagem até Torres, no Rio Grande do Sul. Mesma cor, ano, tudo", conta Flavio. "Ela lembrava em detalhes. E abriu o coração. Sua primeira, digamos, experiência amorosa aconteceu no banco de trás. Achei ótima a história. Não vendi. E não disse também que o carro era originalmente de Porto Alegre, porque diante de tantas coincidências, era bem capaz que fosse o mesmo", relembra com um sorriso nos lábios.
A verdade é que o DKW Belcar é um carro exótico. Nesse mundo de motores altamente desenvolvidos e tecnologia de ponta, a "pequena maravilha" desfila orgulhosa pela rua, mostrando que não sentiu a passagem dos anos. Ah, e claro, deixando a tradicional fumacinha azul por onde passa.
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