Expedição
Transamazônica
Expedição
ao passado
Lá
pelo ano de 1968 o Jeep Willys era usado largamente por este Brasil
a fora, com poucas estradas asfaltadas e bastante barro nos muitos
interiores do país. Os desafios eram enormes. O perto para nós
hoje, era uma grande aventura para aqueles que desafiavam estes
trechos barrentos e sem recursos.
Colonos
do sul, paranaenses, catarinenses e gaúchos, partiam como formigas
saúvas para o Mato Grosso, ainda inexplorado, atraídos por terras
planas e pouco mato. O custo das terras era simbólico, pois a
idéia era colonizar a região. Enquanto os americanos se preparavam
para chegar à Lua, os brasileiros abriam picadas na selva,
preparando-se para a grande epopéia nacional, a Rodovia Transamazônica,
que ligaria o oceano Atlântico ao oceano Pacífico, cumprindo assim
uma parte do acordo com o Peru, em troca da compra do antigo território
do Acre no extremo oeste do país. Uma história que poucos brasileiros
conhecem.
O
engenheiro Eliseu Resende, diretor geral do DNER (Departamento
de Estradas e Rodagem) na época afirmava que qualquer programa
de desenvolvimento regional deveria considerar a criação ou a
expansão da infra-estruturas de transporte, condição suficiente
para a promoção do desenvolvimento regional. No entanto, não obstante,
a existência de um sistema de transporte ser condição necessária
e indispensável a realização de qualquer programa de desenvolvimento,
a experiência nos tem demonstrado que a disponibilidade de uma
modalidade de tal sistema isoladamente não motiva o desenvolvimento.
Se assim fosse, teríamos a região amazônica dentre as mais desenvolvidas
senão a mais desenvolvida do nosso país, porque a sua rede com
perto de duas dezenas de milhares de quilômetros de rios navegáveis,
apresentou, até recentemente, no Brasil, o mais extenso sistema
de transporte. Apesar disso, contribui bem pouco para a ocupação
e progresso daquela vasta região.
Na
verdade os rios da Amazônia, que teoricamente oferecem recursos
reduzidos de transporte, têm servido tradicionalmente à
exportação de quantidades limitadas de produtos da indústria extrativa
e de vias de suprimento aos pequenos núcleos habitacionais localizados
nas margens. A pequena população, dependendo apenas dos rios,
adquiriu um caráter de população ribeirinha dispondo de poucos
recursos e com freqüentes tendências isolacionistas. Mas o estudo
do engenheiro Eliseu Resende foi buscar uma outra faceta dos problemas
nacionais: o agravamento da pressão provocada pelos excedentes
demográficos do nordeste do país, onde a densidade média já se
aproxima dos 50 habitantes por km² em 1968, tornando inadiável
uma ação mais efetiva do poder público no sentido da ocupação
daqueles milhares de km², onde a densidade demográfica não
chega mesmo alcançar a cifra de 1 habitante por km².
A
bacia amazônica com mais de quatro milhões de km² de florestas
tropicais oferecia diversos obstáculos a ocupação da área, com
o regime de chuvas apresentando-se como o maior deles. No entanto,
muitas generalizações feitas corretamente sobre a Amazônia não
eram válidas, como a de que as temperaturas seriam muito elevadas,
quando na verdade são apenas pouco variáveis e monótonas. Na verdade
a afirmação mais válida é a de que a região era quase inteiramente
desconhecida. Muitas generalizações tornarão freqüentes equívocos
sobre a Amazônia, inclusive sobre a topografia e os solos. No
entanto, ao contrário do que geralmente se supunha, as
áreas planas e sujeitas a inundações temporárias dificilmente
ultrapassam a 80 km de largura, nas zonas sedimentares deformação
recente no vale do rio Amazonas. A maior parte do terreno apresenta
conformação ondular embora com elevações reduzidas. Quanto aos
solos, não são uniformes, encontram-se grandes variações em suas
características. Assim, são as áreas mais elevadas e de solos
adequados, aquelas supunha-se naturalmente propícias á ocupação
permanente. O que não poderia admitir, é claro seria a ocupação
predatória como a que se verificou em quase todo o centro sul
do país nos últimos séculos. O que se vinha apresentando como
um dos grandes entraves ao desenvolvimento da Amazônia era a escassez
relativa de transportes e comunicações. Os rios navegáveis não
eram suficientes para a ocupação e desenvolvimento das terras
altas da região. Por esses e outros fatores não restava alternativa
senão a utilização do transporte rodoviário, que deveria completar
o fluvial na exportação dos produtos primários da região. Assim
o sistema rodoviário da Amazônia deveria ser concebido como um
sistema auxiliar que permitisse a utilização das faixas de terra
situadas entre os rios navegáveis. Essa concepção levou o Ministério
dos Transportes a planejar a implantação de uma grande rodovia
transversal cortando toda a Amazônia, promovendo a integração
do nordeste com a Amazônia e a conexão rodoviária com os portos
fluviais nos rios atravessados. Correndo ao sul do rio Amazonas
e cruzando seus afluentes, a estrada deveria fazê-lo nos pontos
extremos de sua navegabilidade. Em cada rio, Xingu, Tocantins,
Tapajós ou Madeira, a estrada funcionaria como complemento da
navegação, cruzando os pontos em que os obstáculos geográficos
de cachoeiras ou de corredeiras impedissem o prosseguimento das
embarcações. Além disso, permitiria a implantação de núcleos agrícolas
e habitacionais de colonizações. O procedimento que parecia mais
lógico seria a ocupação das áreas despovoadas da Amazônia, provocando-se
o deslocamento dos excedentes demográficos do nordeste para aquela
área.
Considerando
o estágio da rede rodoviária do nordeste na época, não
haveria dificuldades em estendê-la até a bacia amazônica, através
do prosseguimento das BR-230 e BR-232, que partindo respectivamente
de João Pessoa a Recife se unem na cidade de Picos, no Piauí,
de onde prossegue a BR-230, passando por Floriano, São Raimundo
das Manguabeiras, Balsas e alcançando Carolina, ao norte, de onde
se poderia cruzar o rio Tocantins em Estreito. Considerava-se
então que aí começava a Transamazônica.
Em
1970 começou a sua primeira etapa que iria até Itaituba, passando
antes por Marabá e Altamira, com 1250 km de extensão e que, ainda
em plena construção, motivou a necessidade de reformulação de
todos os centros urbanos servidos por esta rodovia, apanhados
de surpresa pelo progresso nascido com as obras.
O
presidente Emílio Garrastazu Médici toma posse e recomenda
urgência para a rede rodoviária. A Transamazônica é a nova via
de penetração. A rodovia Cuiabá-Santarém é incorporada
ao sistema de transporte da região, com a definitiva decisão de
torná-la realidade.
As
dificuldades para a construção foram previstas, sublinhadas e
enfrentadas: "A Transamazônica enfrentará enormes problemas
técnicos a partir de Marabá onde penetrará na selva, que na área
cobre o terreno pantanoso". A missão porém empolgou o
país, pois a função da estrada seria a de permitir a ocupação
de imensas áreas completamente despovoadas.
Em
1970 o nordeste conhece um novo período de secas. O presidente
Médici viaja até as regiões mais atingidas e conversa com os próprios
flagelados somando experiências para busca de soluções definitivas.
Ao contrario das antigas providências paternalistas e demagógicas,
são criadas frentes de trabalho para o emprego da mão de obra
flagelada até que a situação se normalize. Paralelamente, a experiência
fornece novos argumentos para o grande valor da Transamazônica.
Realizados os estudos e tomadas as devidas providências iniciais,
o DNER realizou concorrência para a construção da primeira etapa
da estrada, que deveria ser iniciada em setembro daquele ano.
O engenheiro Eliseu Resende presidiu uma das sessões do VI Congresso
Mundial da Federação Rodoviária Internacional , em Montreal no
Canadá , relatando a todo mundo a importância do trabalho que
naquele mesmo dia se iniciava na Amazônia. "A Transamazônica,
com cerca de 5 mil km de extensão, pretende nada menos do que
ligar o ponto mais oriental da América do Sul, a cidade de João
Pessoa no Atlântico, à rede rodoviária peruana, chegando-se
assim ao Oceano Pacífico, após vencer a maior floresta tropical
do mundo em seu próprio âmago", discursou. Epopéia: chove,
faz calor, o céu não muda e mais homens avançam na selva. Nos
primeiros dias de fevereiro de 1971 com toda a chuva, a primeira
etapa da Transamazônica já estava com 800 km de desmatamento realizados
e uma extensão de 500 km de caminhos de serviços. No coração da
floresta, duas turmas de topografia marchavam pacientemente uma
delas partira em setembro de 1970 de Altamira no rumo do rio Caruá;
uma na outra extremidade do percurso, com o mesmo destino. Um
dia elas se encontrariam e teriam cumprido a missão heróica de
materializar o traçado do trecho de 500 km entre os rios Xingu
e Tapajós.
Aquele
chão estava sendo pisado pela primeira vez pelo homem branco.
Mosquitos, escorpiões, aranhas, onças, abelhas, cobras, formigas
antropófagas e índios. Tudo compensado pela beleza dos igarapés,
as vitórias régias, o canto maravilhoso das aves e o gosto de
frutas desconhecidas como o biribá, o inajá, o uxi e o pataná.
Antes que as chuvas parassem, após 5 meses na mata recebendo alimentos
atirados de aviões, as turmas encontraram-se. Para a Amazônia,
um fato tão importante quanto a chegada do homem a Lua.
Enquanto começavam as obras da segunda etapa da estrada, no prolongamento
de Itaituba para Humaitá no Amazonas (entroncamento com o trecho
já existente até Porto Velho e Rio Branco no Acre, a BR-319 de
hoje), a estação de chuvas torrenciais terminava, e os trabalhos
podiam ser acelerados. Homens que estiveram ilhados reencontraram-se.
A colonização das áreas marginais ganha corpo nas agrovilas implantadas.
Cidades servidas sofrem transformações radicais. Em julho, o primeiro
trecho da primeira etapa, com 252 km entre Estreito (no entroncamento
com a Belém-Brasília) e Marabá é concluído e recebe a visita do
presidente Médici, que retorna à Amazônia para constatar
os passos da conquista. Jornalistas e estudiosos de todo mundo
não param de chegar para conhecer a obra, que "abre para
o mundo, um novo celeiro de riqueza".
Os
meninos de Marabá acostumam-se com os ônibus da primeira linha
implantada na Transamazônica, mas os homens vão em frente. Cada
árvore que cai é um novo episódio na epopéia, cujos personagens
anônimos vindos dos pontos mais diferentes do país ajudam a escrever
o enredo maior do pioneirismo: "a última vez que passamos aqui,
a menos de um ano, nos mostraram onde começaria a Transamazônica".
Agora viajamos por ela a 80 km/h. A primeira grande batalha da
luta pela conquista da maior floresta do mundo é vencida por aproximadamente
por 6 mil homens que, em pouco menos de dois anos contribuirão
para a extensão dos 1254 km da pioneira Transamazônica.
Concluída
e entregue ao trânsito, a estrada permitiu que, partindo-se de
qualquer capital do nordeste, centro-oeste, sudeste e sul, possa-se
chegar de carro ao coração da Amazônia, nas margens do rio Tapajós,
numa viajem de 4 dias entre Brasília e Itaituba no Pará. Levando
em conta o regime de chuvas na região, que apresenta a média de
6 meses de precipitações diárias e torrenciais (o inverno) e de
igual período seco (o verão), a construção da estrada contou apenas
com 12 meses sem grandes chuvas para a perfeita utilização da
moderna maquinaria rodoviária empregada. Usando os períodos de
chuvas para os levantamentos topográficos, estudo de solo e de
traçado, transporte fluvial de equipamento para novas frentes
de trabalho, engenheiros e demais trabalhadores empregaram todo
seu esforço para que os meses mais secos fossem devidamente aproveitados
no desmatamento, destocamento, construção de caminhos de serviço,
terraplanagem e compactação. Mais de 35 milhões de m³ de
terra foram escavadas e movimentadas, 25 campos de pouso foram
construídos ao longo do percurso dos quais dois foram oficializados:
o de Rio Repartimento e Miritituba, ambos com 1200 m de pista
pavimentada. As condições de estrada pioneira da região motivaram
o aproveitamento da madeira existente para construção de 3600
m de extensão total de pontes para vencer inúmeros obstáculos
de riachos, igarapés e igapós.
De
posse do levantamento aerofotogramétrico, era feito um ante-projeto,
com o esboço da primeira linha-base da estrada. Turmas de topografia,
então, matearializavam o esboço, embrenhando-se na floresta para
assinalar o caminho. A seguir, as turmas de desmatamento compostas
de 400 a 500 homens, faziam a derrubada da mata, sempre superando
dificuldades, cujo abastecimento exigia a abertura de clareiras
em determinados pontos, onde eram acesas fogueiras para sua fácil
identificação e orientação dos pequenos aviões empregados para
atirar os mantimentos. De fato, a coisa era feita com muita dificuldade,
havendo o perigo de que os sacos atirados caíssem fora do alvo,
na floresta, ou em pontos de difícil acesso, ou que perdessem
os alimentos no choque do saco contra a terra. A experiência levou
a se enrolar os alimentos em três sacos: O primeiro bem apertado,
o segundo mais frouxo, e o ultimo mais frouxo ainda. Assim, o
primeiro, quando batia no chão estourava, o segundo estourava
ou não e o terceiro ficava intacto.
A
segunda fase dos trabalhos era a de destocamento (retirada das
raízes das arvores serradas) e limpeza do terreno feita pelos
8 tratores, abastecidos pelo caminho de serviço-estrada precária
aberta ao lado da linha base à medida em que as máquinas
iam avançando. A fase mais crítica dos trabalhos estava condicionada
aos períodos de inverno, quando as chuvas torrenciais modificavam
a estrutura do terreno. "As águas dos rios sobem
e as condições da terra impossibilitam o trabalho. No entanto
nossa presença no campo durante esses períodos, permitiu a revelação
de pontos críticos que deveriam ser corrigidos para enfrentar
sem problemas os invernos seguintes. Por isso, novos aterros tiveram
de ser feitos em alguns pontos com aplicação de maior número de
bueiros e construção de algumas pontes de madeira. Tudo isso foi
possível graças ao uso, pela primeira vez no Brasil, de helicópteros
nesse tipo de obra".
O
progresso estava chegando à região com equipamentos tão
modernos para a época que com eles precisavam vir instrutores
e profissionais para operá-los a preço de ouro. Entretanto,
saber manuseá-los é uma coisa, mas enfrentar as durezas
da selva é outra. Por isso, logo foram substituídos por brasileiros
acostumados ao serviço pesado do dia a dia.
Vieram
pessoas de todo o país, desde engenheiros até analfabetos, tentando
a sorte nesse inferno verde, como eles mesmos diziam. Sempre havia
um certo risco para quem trabalhava nestas frentes, por isso,
chegar ao final do dia significava uma vitória.
O
tempo passou e esses homens esperavam contar para seus filhos
e netos o que foi a construção desta magnífica rota na qual eles,
com muito orgulho, ajudaram a desbravar e depois construir. Deixaram
lá a esperança de um Brasil soberano. Talvez imaginassem naquela
época que no futuro poucas horas seriam necessárias para
cruzar a Transamazônica de leste a oeste. Haviam muitas expectativas
tecnologicas (na época) para o ano 2000. Talvez alguma
dessas pessoas imaginasse dizer ao seu neto: "Itaituba
no meu tempo nem existia e agora vejam os arranha-céus e a cidade
linda que se transformou. Vejam o porto com navios estrangeiros
embarcando rumo a Belém pelo grande Tapajós, agora totalmente
navegável".
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