Expedição Atacama 2000
Em 1999, quando
a YPE (Yguaçu Paraná Expedições) retornava da Expedição Ushuaia patrocinada
pela Renault do Brasil, encontraram 2 motociclistas brasileiros na travessia
do ferry-boat que liga Buenos Aires a Montevidéu. O papo
foi inevitável. Iguaçu contou o que faziam, falou do Deserto de Atacama
(Chile) e da viagem que eles estavam fazendo de 15500 km, testando
o Scénic na região mais inóspita da America do Sul. Os motociclistas
demonstraram interesse de conhecer o deserto, trocaram cartões com o
Iguaçu e cada equipe seguiu a sua trilha.
Um ano depois,
os dois motociclistas com mais 5 companheiros decidem enfrentar o deserto
mais árido do mundo com 6 motos BMW GS 1150 cc novas (0 km) e um jipe
Land Rover. Para isso, contratam a YPE como guia tendo o Brucutu (foto)
como carro de apoio.
O Brucutu é
um micro-ônibus com tração 4x4 e reduzida, único no país e foi idealizado
por Iguaçu cuja experiência em mecânica 4x4 foi fundamental para juntar
tantos dispositivos de marcas diferentes: transmissão e suspensão da
GM americana, mas reforçadas; motor MWM 4 cilindros com intercooler;
guincho hidráulico Ekron com capacidade de 8 toneladas; direção hidráulica.
A carroceria é de fibra e tem banheiro com chuveiro e depósito de água
potável. Tem ainda rádios PX, PY e HT.
Abaixo o diário
de bordo da expedição:
- 29/02/2000
A equipe de apoio composta por Iguaçu Paraná de Souza e Maurício Reny
Westphal partem às 12:00 do Jardim Botânico em Curitiba para São Paulo
onde irão encontrar o resto da equipe para a maior aventura deste
porte já feita por motos na América do Sul. Chegam em São Paulo às
20:00 hs para reunião com o resto da equipe.
- 01/03/2000
A equipe vai a Barra Bonita (SP) a 300 Km de São Paulo, onde pernoitam
na fazenda de um dos integrantes da equipe e se preparam para a partida
oficial da expedição.
- 02/03/2000
Às 5:00 hs, ainda escuro, a equipe parte de Barra Bonita (SP) com
destino à Foz do Iguaçu (PR). Muita chuva no percurso com intenso
movimento de caminhões e uma estrada ruim apesar dos pedágios (vergonhoso!). A equipe chega cansada depois de percorrer 950 Km nestas
condições.
- 03/03/2000
O dia amanheceu ensolarado. Partimos às 10:00 hs, motos e carros chamando
muito a atenção. O comboio estava realmente espetacular. O astral
estava ótimo e atravessamos a fronteira para a Argentina. Burocracias
à parte, seguimos viagem em território argentino rumo a Corrientes,
cidade interessante à beira do Rio Paraná, divisa com o Paraguai.
Distância: 600 Km.
- 04/03/2000
Hoje o dia promete: vamos fazer a travessia do Chaco argentino (extremo
norte da Argentina). Região com poucos moradores e muito pobre de
vegetação, onde predominam espécies típicas de caatinga. Serão percorridos
1.000 Km, sendo que destes, 807 são de trechos retos, monótonos e
com pouquíssimo movimento de veículos. No percurso encontram-se alguns
povoados muito pobres. Por sorte o tempo estava nublado e o calor
que nesta época pode chegar a 50ºC estava agradável. Quase na chegada
em Salta explodiu o pneu traseiro do Brucutu. O pessoal com as motos
aproveitou o longo trecho de retas para testar as máquinas e chegaram
em Salta 2 horas antes do resto da equipe.
- 05/03/2000
Salta, cidade ao pé dos Andes com 1.300 metros de altitude. A partir
de agora a aventura vai realmente começar, acabou a moleza! Partindo
um pouco mais tarde para San Antonio de Los Cobres (Arg.), distante
170 Km. Começamos a subida dos Andes. Em 3 horas saímos de 1.300 m
de altitude e fomos a 4.100 m de altitude por um caminho entre vales.
Esperavamos um frio intenso mas fomos surpreendidos com o calor. Mesmo
à noite a temperatura não baixou de 10ºC. O pessoal me chamou de exagerado
porque eu tinha dito que aqui fazia muito frio. Mas atenção: aqui
mesmo no verão chega a fazer 5ºC à noite. Pernoite na Hostelaria de
Las Nubes, uma bela pousada.
- 06/03/2000
São
7:00 hs. Partimos rumo ao deserto: imenso, imprevisível e assustador,
porém de uma beleza surpreendente e perigosa. Vamos percorrer quase
500 Km por cima dos Andes chegando a altitude de 4.600 m. O ar é rarefeito,
faz muito frio e o caminho é difícil, com muitas subidas e curvas
fechadas em estrada de rípio (areia com pedras arredondadas que não
se compactam). No rípio é preciso muita atenção pois é fácil derrapar.
O Brucutu sofreu um pouco na subida (com o ar rarefeito perde-se potência),
mas venceu todos os desafios. Os motociclistas "mandaram ver" nas
suas máquinas com muita habilidade. A paisagem é fantástica, uma beleza
surrealista com montanhas cobertas de gelo, vulcões, lagos de água
verde-esmeralda repletos de flamingos. A vegetação é baixa e de uma
cor amarela, contrastando com o marrom do deserto. Tudo isso é simplesmente
imperdível. Fizemos muitas paradas. Alguns da equipe passaram mal
por causa da altitude, mas a expedição estava bem equipada e tinha
garrafas de oxigênio. Depois de respirar um pouco de oxigênio o pessoal
melhorava. A idéia era acampar na Laguna Miniques, mas por incrível
que pareça, como estava chovendo fomos direto a San Pedro do Atacama.
Chegamos às 21:00 hs, muito cansados porem emocionados e felizes por
termos enfrentado e vivenciado tantas coisas que poucos tiveram a
oportunidade de conhecer.
- 07/03/2000
Estamos no Hotel Explora (padrão cinco estrelas) em San Pedro do Atacama,
onde pernoitamos. Estamos curtindo o merecido descanso neste oásis
digno dos deuses no meio do deserto. Neste momento (17:00 hs) está
chovendo forte com raios e trovoadas no meio do deserto. Estou custando
a acreditar, e os moradores comentam que chuva igual a esta fazia
muito tempo que não ocorria. Mais uma vez passo por exagerado, afinal
falei que o Deserto de Atacama era o mais árido do mundo (é considerado
mesmo). Eh, eh, eh. Choveu!!! Ops!, caiu um raio em cima do hotel
(no para-raio, é claro). Quem conhece a região não vai acreditar.
- 08/03/2000
O conforto do Hotel Explora é excelente apesar de não ter ar condicionado
e não ter televisão. Os quartos tem um ventilador de teto, e o forro
é de camada dupla que permite um bom isolamento térmico do calor do
deserto. Realmente o Explora oferece tudo do bom e do melhor, e apesar
da diária ser quase U$ 500,00, os passeios e todo consumo dentro do
hotel já está incluído. O hotel disponibiliza vans com motorista que
levam aos geisers (a 90 Km do hotel), Vale La Luna (a 20 Km do hotel),
Salares do Atacama ( a 40Km do hotel - região de cenário impressionante
formada por sal puro). Para ver os geisers é necessário chegar bem
cedo, saindo do hotel às 5:00 hs da manhã.
- 09/03/2000
"Dia livre". Decidimos conhecer a cidade de San Pedro do Atacama e
o museu que conta a história da região, que foi dominada pelos Incas,
que subjulgaram os nativos, e posteriormente também foram massacrados
pelos espanhóis. À tarde a equipe foi às ruínas Incas a cavalo, por
sinal belas montarias pertencentes ao Explora. Encontramos no hotel
o ministro da saúde, Serra, que estava hospedado com a família passando
o Carnaval. Por volta das 18:00 chegou um biólogo alemão procurando
quem eram os integrantes da expedição, donos do Brucutu e do Land
Rover. O biólogo e sua equipe foram fazer um estudo de plantas no
alto das montanhas e encalharam o seu veículo (também 4x4) a 5760
m de altitude. Já era quase noite quando os pesquisadores chegaram
ao hotel, depois de andar dezenas de quilômetros.
- 10/03/2000
Por incrível que pareça choveu hoje também. Isso é impressionante
na região mais árida do mundo. Como eu falei que aqui só chove 2 vezes
por ano, passei por mentiroso... Os funcionários do hotel acharam
que lá em cima estava muito perigoso para fazer o resgate do veículo,
pois com a chuva, naquela altitude provavelmente tinha formado gelo.
Decidimos adiar o resgate para o dia seguinte, às 6:00 hs da manhã.
- 11/02/2000
O
caminho que iríamos percorrer para o resgate era muito íngreme e estreito
e achamos melhor ir só com o Land Rover, pois o Brucutu era muito
grande, porém, levamos o cabo de aço do Brucutu, pá e picareta. Partimos
bem cedo. Já na metade do caminho encontramos neve e em certos trechos
da estrada tinha atoleiros de neve e por isso passamos a toda para
não atolar. O ar é rarefeito e estavamos a 5760 m de altitude, de
onde podíamos avistar o topo do vulcão Lincancábur que tem pouco mais
de 5900 m de altitude. Estudamos a situação do carro atolado cujas
rodas estavam presas no gelo e traçamos um plano de ação. Ancoramos
o Land Rover com o cabo de aço do Brucutu e ainda colocamos pedras
sob as rodas deste para não deslizar sobre o gelo. Ligamos o carro
atolado, engatamos a reduzida e começamos a puxar com o guincho, mas
o motor não teve forças para virar a roda, e estava pesado para o
guincho puxar. Quebramos mais ainda o gelo em volta das rodas e começamos
a balançar o carro para soltar o fundo deste do gelo. Foi o que deu
resultado. Quando a camionete atingiu terreno firme, soltamos o guincho
e o Maurício que estava na direção pisou fundo e veio deslizando sobre
o gelo até sair do meio do pequeno lago onde tinha atolado. A equipe
de pesquisadores ficou muito agradecida e todos ficamos muito felizes
com o sucesso do resgate. Começamos a arrumar as coisas para partir
em direção ao Paso Jama no dia seguinte. Como a subida para o Paso
Jama é muito íngreme e são quase 60 Km de subida, é recomendável sair
bem cedo para evitar o sol, já que o motor esquenta demais, não só
por causa da subida mas também por causa da altitude (o ponto de ebulição
baixa). Como tivemos problemas na vinda com a aduana chilena, pois
alegaram que o Brucutu era um ônibus que transportava passageiros
e precisava de autorização especial, resolvemos ir hoje mesmo à aduna
para obter o visto de saída já que iríamos partir bem cedo, antes
da aduana abrir. Fomos mal atendidos, mas depois que demos umas camisetas
da expedição tudo se resolveu.
- 12/03/2000
Alvorada às 5:00 hs. Tudo OK, tanques de combustíveis cheios, reserva
de 60 litros de gasolina e 40 de diesel. As motos saíram na frente,
seguidas pelo Land Rover e o Brucutu por último, subindo devagar pois
esquentava muito, já que é um veículo muito pesado. Depois de rodar
quase 60 Km subindo e a quase 4400 m de altitude lembramos que tínhamos
esquecido a carreta das motos no hotel. Dá vontade de bater a cabeça
na parede, não é mesmo? Voltamos inconformados ao Explora para buscar
a carreta. A descida foi pior do que a subida, pois tinhamos que segurar
o Brucutu na marcha para não forçar demais os freios. Atrasamos quase
4 horas. Subindo de novo, encontramos uma equipe do "Rally dos Sertões".
Conversamos, trocamos informações e eles seguiram na frente com veículo
mais rápido e avisaram o resto da nossa equipe que o Brucutu já estava
vindo. Por causa do Mercosul há um acordo entre o Chile e a Argentina
para asfaltar esta estrada, mas só o lado chileno está pronto, as
obras na Argentina seguem lentamente. Mandamos ver no Brucutu, mesmo
na estrada ruim andamos a mais de 100 km/h até avistarmos de repente
a aduana, com alguns caminhões parados. Pisei com tudo no freio, arrastando
os pneus e fazendo poeira. Descemos rápido do Brucutu sob os olhares
de todos e até dos guardas. Ao descer já avistamos uma das motos da
equipe, parada e sem combustível, que tinha sido deixada com um recado
para que nós levassemos na carreta. Nossa aduana foi rápida e seguimos
em frente por uma paisagem muito bonita, sempre a uma altitude média
acima dos 4500 m. Depois de alguns quilômetros avistamos uma moto-niveladora
(trator) trabalhando na estrada, e percebemos que tinha um montinho
de terra no meio. A quase 100 Km/h pulamos o montinho e levamos o
maior susto, pois do outro lado do montinho era areia fofa e o Brucutu
derrapou e ameaçou capotar, mas virei rapidamente o volante e acelerei,
corrigindo a situação. Acabamos saindo da estrada e paramos a 30 m
desta, atolando na areia fofa até o eixo. O trator acabou vindo nos
rebocar e nem precisamos ligar a tração. Foi um susto! Diminuimos
a velocidade e começamos a descer, chegando em Sucre, uma região que
tem características mais bolivianas do que argentinas ou chilenas.
Aliás tudo aquilo ali fazia parte da Bolívia e com as guerras é que
mudaram-se as fronteiras. A maioria das casas em Sucre é feita de
adobe, um barro, e a região é na verdade muito pobre. Quando chegamos
estava acontecendo um Carnaval bem peculiar na cidade, com as pessoas
fantasiadas com roupas coloridas e máscaras de monstros. Em Sucre
paramos em outra aduana onde encontramos o Luizão esperando com outra
moto para colocar na carreta. Na hora de passar pela aduana, a fiscal
exigiu todos os documentos do Brucutu e das motos, e solicitou-nos
fotocópias destes. Isso num domingo, em um lugar que a fotocopiadora
mais próxima deveria estar a centenas de quilômetros. É claro que
era pretexto para sair uma "cervejinha". Chegamos em San Salvador
de Jujuy cansados, por volta das 23:00 hs.
- 13/03/2000
Depois do café, as motos são embarcadas no Brucutu, menos uma por
falta de espaço (ficaram 3 dentro e 2 na carreta). O Maurício foi
pilotando esta moto. Seguimos em direção à Salta onde os companheiros
das motos pegaram um avião de volta à São Paulo.
- 14/03/2000
Depois de um merecido descanso em Salta, a equipe de apoio inicia
a viagem de volta com Iguaçu pilotando o Brucutu e o Maurício pilotando
a moto BMW. Destino: Barra Bonita (SP).
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