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Viagem ao Fim do Mundo (Ushuaia)


Eles rodaram milhares de quilômetros com dois Renault 19 na região mais inóspita da América do Sul, numa aventura que a maioria nem pensaria em fazer sem um veículo 4x4.

A Patagônia sempre dividiu opiniões. Para Darwin era o fim do mundo. Para aventureiros, um desafio grandioso. Vastas planícies, montanhas cercadas por vales e geleiras milenares formam a base de um impressionante cenário. Com 2 milhões de Km quadrados, a Patagônia é maior do que o México, mas a densidade populacional ali é inferior a duas pessoas por Km quadrado (82 vezes menor que a brasileira). As longas estradas que cruzam as estepes às vezes se transformam em monótonas linhas retas, pavimentadas com rípio, material sedimentar típico da região que vai desde a poeira microscópica até pedras do tamanho de um punho.

O rípio é o resultado da erosão das geleiras nas pedras das montanhas. A Patagônia durante milênios foi coberta por um manto de gelo que chegava a 1 km de altura. Ao descer das montanhas, no lento processo de derretimento, essas massas pesadíssimas de gelo deixaram sulcos profundos, facilmente observados ainda hoje.

Dante, Mauri, Daniel e Iguaçu

Daniel Lúcio Santos Cordeiro (47), Dante Laércio Santos Cordeiro (50), Iguaçu Paraná de Souza (36) e Mauri de Mari (55) apresentaram um projeto à Renault denominado "Ushuaia - Aventura ao Extremo Sul", com a perspectiva de apresentar uma prova de resistência, organização e aventura. Foram quase 13.000 Km percorridos em 26 dias, cruzando regiões maravilhosas, inóspitas, envolvendo grande centros urbanos do Brasil, Argentina, Chile e Uruguai, assim como pequenas vilas de 50 habitantes. Desertos foram cruzados, enfrentaram neve, viajaram sob o sol escaldante e vivenciando tudo isto, a equipe sentiu-se grata, maravilhada e recompensada pelo esforço.

Algumas pessoas que praticam off-road e que tomaram conhecimento da aventura acharam que ela seria uma loucura, argumentavam que os carros não conseguiriam enfrentar o deserto e nem as altitudes elevadas dos Andes. Entretanto, os carros se comportaram muito bem e enfrentaram com valentia terrenos por onde transitam normalmente veículos off-road ou preparados (suspensão mais alta, proteção para faróis e parabrisas, etc). É importante destacar que os 2 Renault 19 (um hatch e o outro sedan) eram veículos comuns, sem qualquer preparação, com 32000 Km e 21000 Km antes da viagem.

A equipe estava bastante segura para a viagem, afinal cada carro levava 1 estepe a mais e 20 litros de combustível extra distribuídos em galões de 5 litros cada, por ser mais fácil de manusear além de distribuir melhor o peso dentro do carro. Como são grandes distâncias despovoadas, a equipe não recomenda ninguém atravessá-las sem combustível extra, pois pode acontecer de furar uma mangueira e vazar combustível. Pelo mesmo motivo, é importante levar água e fluído de radiador. A equipe levou água em garrafas de plástico de 2 litros e fluído de radiador. Não chegaram a usar nada disso, mas não se deve ir sem esse recursos.

Um dos carros levava uma caixa de ferramentas completa, com arame, Silver Tape, Durepox e Super Bonder. Até fluído para o limpador de parabrisa foi incluído. Para o caso de algum imprevisto a equipe tinha comida para dois dias, além de equipamento de inverno, afinal, nesta viagem enfrenta-se de tudo: sol, chuva e até neve (mesmo sendo verão).

Rípio

O risco é muito grande para se viajar com um carro só, pois no rípio não é difícil furar mais de um pneu. Conforme lembra Dante, numa hipótese absurda, mas não impossível, de se furar mais de 4 pneus (considerando 4 estepes dos 2 carros), um carro poderia ser deixado sem rodas enquanto o outro buscaria ajuda. Mas o risco maior é uma quebra mecânica no meio do nada, a centenas de quilômetros do povoado mais próximo.

O rípio tem uma característica interessante: ele não se compacta, e a situação em algumas regiões é semelhante aquelas "piscinas de bolinhas" que as crianças brincam. Com o peso, as "bolinhas" se esparramam pelos lados, e parar o carro numa situação destas pode ser problemático uma vez que as rodas afundam e patina-se para arrancar.

Os carros viajaram o tempo todo no visual, mas tinham rádio para se comunicarem. Em alguns trechos a distância entre um carro e outro tinha que ser quase 2 Km por causa da poeira levantada pelo carro da frente e que atrapalhava a visibilidade do que estava trás.

Em novembro, o dia amanhece às 5:00 hs e termina as 23:00 hs e a equipe percorria em média 1200 Km por dia e 750 Km por dia no deserto. Para vencer as grandes distâncias os carros chegaram a andar em alguns trechos a 140 Km/h, fazendo com que o carro "decolasse" muito e, apesar de não "embicar" porque tinha peso atrás, quando caía batia o protetor de cárter, amassando-o. Isso fez com que um dos carros ficasse sem "primeira" e "ré" e o outro sem a quinta marcha. Dante salientou que a uma velocidade de 60 Km/h isso não ocorre, mas também com aquelas retas sem fim fica difícil de se conformar em andar devagar.

O fato do protetor de cárter ter amassado não atrapalhou a viagem, principalmente porque em Coihaique os carros foram reparados na concessionária Renault, mas ao se colocar os carros no elevador permitiu-se verificar que as pedras jogadas pelas rodas dianteiras estavam amassando bastante o tanque de combustível, que nos modelos mais novos é de plástico e resiste a isso. Usando muita criatividade, a equipe pegou os tapetes de borracha dos carros, recortaram e amarraram com arame por baixo formando uma saia que amortecia o impacto das pedras.

Os pneus precisam ser calibrados todos os dias (talvez haja micro-vazamentos com os impactos do terreno irregular), e devem rodar na calibragem máxima permitida. Pneus com calibragem mais baixa furam demais no rípio. O curioso é que a maioria dos pneus furados acaba se desintegrando, pois por causa das características do rípio demora até o piloto perceber que este furou.

Reparando o pneu furado em uma gomeria (borracharia)

Entre Puerto Montt e Coihaique fica a "Carretera Austral". A partir de Coihaique começa a "Ruta 40", o trecho mais difícil e inóspito da viagem. Logo na entrada furou o pneu de um dos carros, e como pelo mapa havia uma pequena vila 13 Km depois onde constava que tinha uma gomeria (borracharia na Argentina e no Chile), a equipe tocou até lá. O borracheiro era também o chefe de polícia local. Onde tinha posto de gasolina a equipe também parava e abastecia, mesmo que o tanque estivesse quase cheio, pois a próxima oportunidade poderia ser depois de centenas de quilômetros.

Apesar da temperatura externa estar relativamente fria (em torno de 10ºC em alguns trechos), dentro do carro era bastante quente por causa do "efeito estufa" sob o sol de verão da Patagônia. Por isso o Dante andava com o ar condicionado ligado. O pessoal do outro carro, no entanto, preferiu abrir as janelas em vez de ligar o ar condicionado e teve uma surpresa: atrás encheu de poeira. A poeira do rípio é muito fina, praticamente um pó de pedra, e não se percebe ela entrar pela janela.

A equipe chegou na última cidade antes de um trecho de deserto às 18:00 hs. Fizeram uma reunião e como nesta época anoitece por volta das 23:00 hs, decidiram enfrentar o trecho. Como o trecho era longo (quase 700 Km) e o desempenho no deserto normalmente é menor, acabaram pegando noite no meio do caminho. Foi uma experiência interessante porque as lebres vem em direção da luz dos faróis, e quando percebem que é um carro, saem em disparada. Por volta das 2:00 hs da madrugada, a equipe exausta, depois de dirigir das 6:00 hs da manhã até aquela hora, chegou a uma vila chamada 3 lagos. Na vila acordaram os donos de uma pousada e se hospedaram, com excessão do Mauri, que preferiu dormir no carro, e volta e meia era acordado pelo vento que balançava o carro. De manhã, tomaram um bom café da manhã na cozinha da pousada e seguiram em frente.

Para ficar mais prático e não precisar tirar as malas do carro, cada um tinha uma sacola com camiseta, meia e cueca. A camiseta usada, com a logomarca da Renault, era dada de brinde e desta forma, a equipe estava sempre uniformizada e com camiseta limpa.

Transportador

De Puerto Montt a Chaiten praticamente não existem estradas. A equipe fez com o transportador, uma embarcação que transporta carros. Foram 12 horas de viagem, mas o barco oferece até poltronas leito que curiosamente são chamadas de "bucchaca". Alguns preferem dormir no carro e é comum encontrar os chilenos dormindo ao relento, em sacos de dormir e mirando as estrelas.

Quando a equipe chegou em Puerto Natales estava nevando. Foi um espetáculo muito bonito. Em seguida partiram em direção a Punta Arenas, de onde pegaram novamente o transportador até o Ushuaia.

Para cruzar o Estreito de Magalhães e chegar à Ilha do Fogo é usado outro transportador. A Ilha do Fogo tem este nome porque os seus primeiros habitantes mantinham fogueiras acesas, que ao contrário do que muitos pensam, não por não saber reacender o fogo (isso eles sabiam), mas porque o tempo todo era muito frio. Eles faziam a fogueira dentro do barco, usando pedras, para sair para pescar. Além disso, a Ilha do Fogo tem petróleo e gás natural.

Na Ilha do Fogo tem a Fazenda Sarah Fergunson, da cunhada do príncipe Charles, com o maior rebanho de ovelhas do mundo. Os peões que trabalham nessas fazendas tem seus próprios cavalos e cachorros, e as fazendas contratam na prática como se eles fossem uma micro-empresa prestadora de serviços.

A Ilha do Fogo é metade da Argentina e metade do Chile. Ao chegar no posto da fronteira estava ventando muito, e o guarda falou que provalvelmente iria continuar ventando durante uns 3 dias, mas que poderiam ir em frente porque não havia perigo. Dependendo da época do ano, quando já se está bem para o sul, perto do Ushuaia, ocorrem ventos fortes que frequentemente atingem 140 Km/h. É como estar o tempo todo perto de um tornado, entretanto esses ventos não chegam a afetar a dirigibilidade dos carros.

Outra coisa que a equipe recomenda é ter uma pasta com elástico com todos os documentos, e deixá-la sempre à mão, pois documentos são requisitados frequentemente.

Já no meio do caminho, rajadas de vento bem forte atiravam pedras de rípio (pequenos Montts na lateral da estrada) direto sobre os carros, como se alguém tivesse atirando pedras. Isso marcou a lateral dos carros além de trincar todo o parabrisa do carro da frente e quebrar os faróis de ambos. Para completar, Dante ao parar o carro para descer, ao abrir a porta do carro, não conseguiu mais segurá-la e esta virou para trás entortando as dobradiças. Depois de conseguir fechar a porta com muito esforço, o único inconveniente era ter que sair do carro pela porta do passageiro, pois a porta do motorista ficou seriamente danificada e não abria mais. Recomenda-se então que se abra os vidros do carro antes de abrir as portas, diminuindo o efeito do vento sobre esta.

Por volta das 15:00 hs, a equipe chegou para atravessar de novo e Estreito de Magalhães, mas agora pelo lado Argentino. O vento continuava forte e mesmo sendo o estreito protegido como praticamente uma baia, o transportador balançava muito, e os carros só puderam ser embarcados (um a um e com muito cuidado) por volta das 6:00 hs da manhã seguinte.

Os carros estavam bastante desgastados, pois 15 mil Km nestes terrenos equivale a 100 mil no asfalto. Mesmo assim os Renault demonstraram que são muito resistentes, e em todo trajeto só cruzaram com carros com tração e suspensão mais alta.

O óleo usado no motor dos carros era Elf de competição, e o motor voltou em perfeito estado, sem sinal de desgastes. O que mais sofreu na viagem foi a suspensão e a carroceria (com as batidas de pedras).

Retornando, a equipe passou por Comodoro Rivadavia de onde seguiram para Buenos Aires e pegaram o barco até Montevideo, chegando em Curitiba no dia da inauguração da fábrica da Renault.

As últimas dicas da equipe são:

  • Mantenha-se atento ao limite de velocidade nas cidades argentinas (40 Km/h na maioria) e nas estradas chilenas. No Chile, se a velocidade limite é de 100 Km/h, a 105 o guarda já aplica multa e a 110 Km/h o motorista vai a julgamento. Nas "rutas" argentinas o controle não é tão rigoroso como nas cidades.

  • A carteira de motorista brasileira vale apenas para os países que tem fronteira com o Brasil. Para dirigir no Chile é necessário tirar a carteira internacional no Touring.

  • Na Argentina e no Chile, para você dirigir um carro que não esteja em seu nome (e que não seja alugado) é preciso uma autorização do proprietário do veículo escrita e protocolada nos consulados da Argentina e Chile, mesmo que o dono do carro esteja viajando junto, no mesmo carro.

  • Nunca pegue os filhotinhos do pinguim, pois se ele ficar com nosso cheiro a mãe dele o rejeita, e ele acaba morrendo.

Equipamentos e documentos necessários

Fotos

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