Expedição
Transamazônica
Primeira
parte: do encontro dos índios Utiariti (MT) a Itaituba (PA)
Partimos
no dia 12 de outubro de 2002, depois de um saboroso almoço com amigos
e parentes. Eram 15:00 hs de sábado quando seguimos rumo à Londrina
(PR).
Depois
de algumas horas de viagem o Toyota do Ferrarini começou a falhar
até parar, não sendo normal em um jipe com motor MB 608 turbinado
novo. Palpites não faltaram, mas conseguimos chegar a Londrina,
onde paramos em um posto de gasolina. Constatamos que havia sujeira
em algum lugar do sistema de alimentação do diesel. Como o jipe
havia sido desmontado para reforma, também havia sido substituido
o encanamento do diesel, que passa por dentro do chassis. Ao ser
empurrado, o cano foi "patrolando" a sujeira. Depois
de consertado pernoitamos na região. No dia seguinte rumamos a
Tangará da Serra via Cuiabá. No caminho, porém, encontraríamos
com mais um grupo que se juntaria ao comboio, conforme havia sido
combinado após eles tomarem conhecimento da nossa expedição.
Era a Turma do Tigrão, com um Toyota "longo"
sobrecarregado onde estavam em três marmanjos e muita bagagem
no teto. Havia caixas de madeiras, galões de combustível e água,
tirando todo o equilíbrio do carro. A Turma do Tigrão, de São
Paulo, conheceu o Maurício Brick ao participar do Transparaná
na categoria Adventure. Brick há várias edições
faz parte da organização da prova. O grupo era muito
divertido mas com pouca experiência em expedições longas.
Chegamos
em Tangará da Serra (MT) à noite, onde nos aguardavam com
um saboroso churrasco e muita cerveja na casa do Rogério Fransiose,
amigo do Eleomar. O papo rolou solto noite a dentro e combinamos
de que no dia seguinte após a troca de pneus na oficina do Walmir
Rota, que muito nos ajudou. Seguimos para a fazenda do Rogério
por terra e seu irmão, levando a cerveja, seguiu de avião. Passaríamos
o dia viajando. Seriam 200 km passando pela belíssima chapada
dos Parensis até a reserva dos índios Utiariti, cortada ao meio
pela estrada. Logo na chegada tinha um rio maravilhoso, com água
cristalina e muito parecido com os de Bonito (MS). Ao cruzar uma
ponte que tinha uma guarita a qual não percebemos, nos armados
com câmeras fotográficas e filmadoras e começamos a disparar.A
encrenca estava formada: o índio queria R$ 300,00 por foto tirada
ou não passaríamos. Tentei conversar, mas o garotão de uns 18
anos estava bem armado com um "três oitão" e bêbado.
Depois de muita argumentação com o índio,
o Eleomar sacou R$ 30,00 e foi resolvida a situação. Entramos
na reserva com 1,2 milhões de hectares, uma ilha se comparada
com as imensas plantações de soja que vimos no Mato Grosso. O
lugar é espetacular. Depois o Rogério nos proporcionou um belo
passeio até sua fazenda de 10 mil alqueires, onde planta soja
há muito tempo.
O
avião já havia chegado e a cerveja estava bem gelada. O cozinheiro
fez um prato típico chamado "zé poconé"
a base de mandioca (macacheira) com bifes de picanha na chapa
e uma pinguinha feita em casa. Bebemos moderadamente e depois
de muito papo o sono pegou. No outro dia saímos cedo, pois íriamos
fazer um roteiro pela reserva, acompanhados pôr uma família de
índios Utiariti. A família de Utiaritis cuja filha fazia
faculdade em Tangará, eram amigos do Rogério, e com isso
tivemos acesso a quase toda a reserva. Conhecemos
cachoeiras magníficas, uma delas com 70 m de altura onde tomamos
um inesquecível banho de baixo daquela imensidão de água cristalina.
Logo depois seguimos para uma outra vila com uma cachoeira de
30 m pôr uns 100 m de largura, tão linda quanto a outra, porém,
esta essa tinha uma acesso por trás da queda d'água. Parecia cenas
de cinema. Tiramos poucas fotos, sendo que era cobrado R$ 3,00
por clique. E a marcação dos índios era cerrada. Éramos
para eles uma forma de ganhar um dinheirinho. Ao atravessar uma
antiga balsa ainda construída por Marechal Cândido Rondon,
um pouco acima da cachoeira, a responsável pela tribo nos cobrou
R$ 30,00 por carro, e o barqueiro depois da travessia queria mais
R$ 30,00. Quando dissemos que já tínhamos pago ele ficou em "pé
de guerra", mas estávamos no outro lado e fora da reserva
e falamos para ele se acertar com a esposa do chefe que ficou
com o dinheiro. O passeio foi muito interessante mas teríamos
de continuar.
Despedimo-nos
dos índios e do Rogério, que retornaria à sua fazenda.
A turma estava empoeirada e fazia um calor de rachar, mas todo
mundo estava animado. O caminho agora era só por estradas de terra,
passando por cidades e vilas ainda inexistentes nos mapas, lugares
estes que estão começando agora, motivados pela soja. Nos sentimos
chegando no Paraná há 40 anos atrás. Aliás quase
todos os que ali se fixaram e viviam da cultura da soja eram paranaenses,
catarinenses ou gaúchos. Lugares como Nova Ipiranga (MT) com 5
anos de existência, onde no começo um terreno no centro da cidade
valia R$ 5.000,00 e agora já custa R$ 50.000,00. Oportunidades
para os que gostam de trabalhar não faltam.
Subindo
para o norte, a estradas começam a piorar e já vemos vestígios
de florestas ainda no Mato Grosso, mas que não devem durar muito,
pois o avanço da soja esta sendo rápido demais. Neste dia dormimos
em Nova Maringá onde vimos muita madeira grossa sendo extraída.
Caminhões carregados com imensas toras que 4 ou 5 homens não abraçariam.
Todas com destino certo: exportação.
Chegamos
em Sinop (MT) na hora do almoço. Os jipes seguiram sem problemas,
foram "de vento em popa", pois o nosso ritmo era forte
e a viagem estava apenas começando. Depois de Sinop, rodamos por
um breve pedaço de asfalto e em Garantam do Norte (MT) pernoitamos.
A partir daqui que começa a "pedreira". Os giricos (chassis
de Jeep com motor diesel estacionário) andavam mais rápido
que os Toyotas, pois tinha tanta pedra e buraco que nos assustamos.
Achamos que os 1000 km da estrada eram assim, e desse jeito demoraríamos
uns 5 dias até Itaituba no Pará. Isso numa primeira expectativa
otimista já que a época das chuvas ainda não havia
começado. A rodovia Cuiabá-Santarém esta totalmente abandonada
os caminhoneiros que se arriscavam a percorrê-la sabem que
qualquer chuva obriga a parar e esperar a estrada a secar. Os
guinchos Ekron neste trajeto mostraram toda a sua força: tiramos
caminhões caídos em pontes, barranqueados e encalhados. O pior
foi uma carreta Volvo com tração 6x4 transportando
uma carga de 30 toneladas, que não vencendo uma grande subida
escorregou de ré fazendo um "L" e trancando a estrada.
Tivemos que usar 4 guinchos bem coordenados para arrancá-lo
da encrenca. Com vários caminhões parados e muitos palpites, 100%
dos curiosos duvidavam que conseguiríamos. Quando o "bichão"
saiu, os aplausos foram inevitáveis. Com o episódio notamos
que entre nós precisávamos de uma certa organização nas
dificuldades extremas: antes deve-se planejar, depois executar
e apenas um de nós coordenar.
Fomos
vencendo todas dificuldades com muitas balsas a preço de ouro,
pontes de madeiras pedagiadas e garimpos. Passamos pela base do
contrabandista e temido Rambo, pirata do ar que sequestrava e
roubava os aviões e muito ouro dos garimpos. Com isso, Rambo construiu
uma fortaleza na beira da estrada. Foi necessário uma intervenção
militar para acabar com o domínio do criminoso na região,
pois a polícia não conseguiu. O exército
invadiu o QG do bandido que reagiu e foi morto. Vários aviões
cujos pilotos foram assassinados continuam abandonados e estragando-se
com o tempo, vigiados por alguns soldados do exército,
naquele lugar remoto que foi base do bandido que mais aterrorizou
a região até hoje.
As
castanheiras são uma história à parte. A altura e o tamanho
nos impressionou, e ao parar em um boteco de beira de estrada
o proprietário foi nos mostrar uma delas que havia caído há
alguns anos nos fundos do seu sítio. Também conhecemos
antigos garimpeiros com seus "causos de arrepiar", que
até Deus duvidaria (se for entrar em detalhes a coisa vai longe...).
Partimos
ao anoitecer e dormimos em Novo Progresso. Na chegada, para surpresa
de todos, avistamos o jirico que havíamos encontrado no começo
da estrada. Foram percorridos 350 km neste dia.
Ao
amanhecer, com os motores aquecidos e os nossos jipes ainda inteiros
(a não ser o do Tigrão que vinha sofrendo com a suspensão não
revisada), voltamos ao ritmo forte para alcançar a última
balsa do Rio Tapajós para chegar em Itaituba (PA). Na antiga
cidade fomos logo a procura de um hotel, pois estávamos todos
cansados e a rodovia Cuiabá-Santarém é de deixar qualquer um meio
torto.
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