Roteiros e viagens-

Expedição Transamazônica
Segunda parte: de Itaituba (PA) a Jacareacanga (PA)

O hotel em Itaituba (PA) era um pouco caro mas bom. Além disso, precisávamos descansar. Amanheceu e fizemos uma revisão geral nos jipes, compramos provisões e tentamos obter informações sobre o caminho entre Itaituba (PA) e Humaitá (AM ) com 1100 km praticamente intransponíveis pelo meio da floresta, um trecho de estrada completamente esquecido, onde há mais de dez anos não passa um veículo de 4 rodas. Aqui começaria o grande desafio. Para nós era o começo da aventura pela qual viemos.

As notícias eram as piores possíveis. Todos recomendavam que pegássemos a balsa até Jacareacanga (PA). "Pela Rodovia Transamazonica não passa. Ela está interditada há muito tempo", disse o Sr. Silva, político e empreendedor em Itaituba. "Até o parque Nacional da Amazônia vocês chegarão sem problemas, mas depois...", completou. A maior dificuldade seriam as pontes caídas ou muito largas para os jipes. Pensávamos nós que estávamos bem equipados e não haveria muitos problemas. Triste ilusão!

Durante os 2 dias em Itaituba demos até entrevista. O Sr. Silva nos ajudou muito e apresentou-nos ao major Hugo do exército, onde obtivemos o apoio para qualquer emergência, depois de tudo pronto partimos para o que seria a realização de um sonho para todos nós.

Partimos para o imprevisível depois de abastecer os jipes e encher os galões de combustível. Eu e o Brick baixamos a capota fazendo com que a sensação de liberdade aumentasse. Ficamos por último no comboio durante um bom tempo, engolindo toda aquela poeira, mas estávamos felizes e nada nos incomodava. A estrada nos seus primeiros 20 km era boa e larga e conseguimos passar os outros jipes do nosso comboio e até nos adiantamos um pouco. Depois dos quilômetros iniciais, a estrada já começava a virar uma trilha e a selva começou a ser fazer presente nas erosões, igarapés e pontes ruins. Já dava pra notar o que enfrentaríamos.

Por sairmos tarde resolvemos dormir no Parque Nacional da Amazônia, pois tínhamos autorização para pernoitar. Aí aconteceu o primeiro emprevisto: eu e o Brik que estávamos na frente nos comunicando por rádio com os outros, avisamos que iríamos entrar na sede do parque distante 1 km da entrada, mas o Tigrão não nos viu entrar e passou reto. Chamamos pelo rádio mas, como soubemos depois, a turma do Tigrão por desleixo não carregou as baterias do rádio HT que havíamos emprestado para eles uma vez que não tinham rádio no jipe, equipamento indispensável nestas expedições. Como é de praxe para jipeiros experientes, o jipe da frente sempre espera o de trás e, em caso de demora, retorna-se para ver se o de trás precisa de ajuda. Ficamos parados no parque esperando o regresso deles, mas como começaram a demorar o Eliomar se propôs a tentar encontrá-los enquanto o restante começaria a montar acampamento. Passaram-se umas duas horas e nada! A noite já havia caído quando eu e o Brick resolvemos ir atrás muito preocupados. O rádio estava mudo e andamos uns 10 km antes de encontramos todos muito bem instalados na casa de um caboclo da região, na beira da estrada. Falta de consideração ou inexperiência total? Retornamos ao nosso acampamento muito bem localizado na beira das corredeiras do Tapajós, um lugar para não se esquecer jamais: a água era quente e transparente. Nadávamos num banco de areia bebericando uma cervejinha, em plena Floresta Amazônica. Foi uma noite incrível! No dia seguinte os ânimos estavam um pouco exaltados ao encontrá-los novamente, mas usando o bom senso de nossa parte agimos como se nada tivesse acontecido. Mas de agora em diante, nós ditávamos as regras.

A floresta começava a mostrar suas garras. A média de velocidade passou a ser de no máximo 30 km/h. As pontes, com troncos imensos, tinham o vão central muito grande entre os trilhos de rolagem (adequadas provavelmente para caminhões e tratores), e os jipes mal cabiam nestas, sempre correndo o risco de escapar uma roda e o jipe ficar entalado de lado no meio da ponte. As barrancas dos rios eram altas e perigosas e a passagem pelos igarapés eram estreitas, altas e cheias de erosões. As centenas de subidas e descidas eram vencidas uma a uma pela tração 4x4 com reduzida.

Os rádios PX e mesmo o PY não funcionavam além de uma distância de aproximadamente 100 metros. A floresta "engolia" as ondas e por isso resolvemos que andaríamos juntos, sempre no visual. Cada vez mais nos embrenhávamos na selva de uma beleza exuberante e imponente.

Vimos poucos bichos de maior porte que acabaram fugindo do barulho do motor dos carros. Avistamos muitas aves e árvores imensas. A floresta, em alguns lugares, tomou conta completamente da estrada. Encontramos placas de sinalização da rodovia praticamente no meio do mato. A média de velocidade continuava baixa e sob aquelas condições, 30 km/h era correr. Os jipes comportavam-se bem, mas eram exigidos ao máximo. Tínhamos cada um 60 litros de diesel pra fazer 180 km até chegar no garimpo onde reabasteceríamos.

No km 150 encontramos o Sr. Paulo, um cearense casado com uma índia da região, em uma taperinha na beira de um rio. Paramos para comer alguma coisa e pernoitar. Já era tarde e a noite logo viria quando fomos convidados a entrar na sua casa onde tinha comida à vontade, desde frutas, verduras, carne seca de caça, galinhas caipiras e ovos. Lá fora, alguns pés de café garantiam o cafezinho. Conversamos bastante e o Sr. Paulo nos contou um pouco da sua história. Disse que cansado de morar sozinho, um dia foi até a aldeia mais próxima e falou com o chefe que permitiu que este escolhesse uma senhora viúva pra ele. "Para acostumar aqui só índio mesmo", comentou. Seu vizinho mais próximo, a oeste, está a mais de 200 km de distância. Vivendo totalmente isolado, Paulo há alguns anos atrás ainda tinha a esperança de que a rodovia fosse reaberta para ele montar sua borracharia. "Isto é Brasil", disse o cearense.

No dia seguinte uns foram pescar, outros prosear e eu fui ver o pôr do sol andando pela "rodovia", sem os barulhos dos motores. Dava para sentir a exuberância e a força da natureza. Insetos, pássaros, e outros tipos de animais, vivendo a batalha do dia a dia da sobrevivência. Foi um momento único na minha vida, de uma paz total, até escutar barulhos mais fortes vindo em minha direção. Será que é uma onça?! Na dúvida ou eu mato ou morro, quero dizer, corro para o mato ou para o morro. Rapidinho voltei para o acampamento pois já tinha andado uns 5 km e mesmo armado não se pode facilitar. A noite foi boa, depois de um gostoso jantar a paz reinava no grupo, o papo foi longe. Praticamente interrogávamos o Sr. Paulo, o dono da casa, com perguntas sobre sua vida de como vieram parar na região da Amazônia. Foi muito interessante mas o sono pegou.

Eu dormia em cima da caixa de ferramentas do nosso Toyota, com poeira e a sujeira que já não chegavam mais a incomodar. O Brick colocou um colchão no chão atras da Toyota, e com a antena do rádio pendurou o mosquiteiro. O Júnior dormia dentro do seu jipe. Já o Fontana estendeu uma rede toda "arretada" que tivemos que ler até o manual, para monta-lá. Enquanto isto o Isaac e o Eleomar montavam as barracas tipo iglu, e a turma do Tigrão dormiam na barraca em cima do jipe. No meio da noite o frio pegou, e no amanhecer observamos que o Brik estava cercado por galinhas, lagarto e formigas. Foi a maior gozação pois ele levou um susto quando acordou. Acampamento desfeito, nos despedimos do Sr. Paulo, deixando alguns presentes e remédios. Dinheiro não adiantava deixar: gastar aonde? A próxima parada era o garimpo abandonado, o que significava umas 5 horas de viagem. Lá teríamos que encher os tanques de combustível e dar uma revisadinha nos carros.

O garimpo, em um passado não muito distante, teve o aeroporto mais movimentado do mundo, batendo recordes de pousos e decolagens. Hoje parece uma vila fantasma. Um avião Cesna transportando garimpeiros e combustível, que mais parecia uma pick-up velha, ainda tenta a sorte na região. O posto de gasolina estava totalmente destruído. O diesel era guardado com todos os cuidados em tambores de plástico pois, literalmente lá vale ouro: o litro custa 1/4 de grama de ouro, ou seja, quase R$ 8,00, e considerando-se as dificuldades ainda é barato.

Muitas fotos foram tiradas e o "astral" da turma estava estava ótimo. O que mais me impressionava era a história daquela estrada, das promessas, das esperanças, de um povo enganado e esquecido. Acreditaram num desenvolvimento que nunca veio e, sem condições de reivindicar, tiveram que adaptar-se às condições de falta total de infra-estrutura.

Faltavam ainda percorrer 140 km até Jacareacanga. Enquanto os outros descansavam, eu e o Brick regulávamos o garfo da embreagem, achado que só tinha desregulado. Seria bom se fosse só isso, mas constatamos que este havia entortado. Ficamos sem embreagem por completo. O caminho, com muitas erosões, subidas e descidas, exigia muito do câmbio. Imaginem ter que trocar de marcha só no tempo. Foi o que aconteceu. A coisa ficou feia, mas ainda sobre controle. Os outros quase nem perceberam pois o Brick cambiava bonito, e mesmo nas situações mais difíceis não errava!

Ao anoitecer chegamos em Jacareacanga, enquanto uns foram arrumar a suspensão quebrada, outros foram dar um reaperto geral nos parafusos, nós resolvemos pegar firme e tirar a caixa de câmbio fora para soldar o garfo que havia entortado. Com a ajuda do Ferrarini, em pouco tempo ela estava fora e lá pelas dez horas da noite finalizamos o serviço. Estávamos sujos cansados porém felizes (pois se perdêssemos para um probleminha destes iríamos ganhar de quem?). Também não podemos esquecer do pessoal de uma oficina que nos emprestou a rampa e soldou a nossa peça.



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